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Martha Paiva conta sobre a vida de palhaça

Entrevistas

Em 2016 o Froien Farain iniciava um trabalho com os palhaços terapêuticos com o projeto “Uma Bela Visita” com o grupo “Teatro do Sopro”. Os integrantes saíram do Brasil e o projeto continuou com novos integrantes do grupo “O Presente Encontro”, que desenvolve várias atividades com nossos residentes. É possível notar claramente o bem proporcionado aos nossos idosos.

Para entender um pouco mais como surgiu o projeto e como ele afeta a todos os envolvidos, batemos um papo com Martha Paiva que faz parte desse grupo e nos conta suas experiências com a trupe.

Desde quando você faz parte do projeto?

Desde o início, ainda com o grupo anterior. Resolvi continuar pois ele fazia sentido para mim. Já estava há três anos acompanhando vários casos de diferentes residentes, então eu via o quanto aquele momento breve de encontro fazia uma diferença que eu só podia notar bem de leve, mas eu imaginava que deveria ser de uma maneira que eu mesma não tinha dimensão. Quando damos continuidade nos jogos, acompanhamos momentos da memória, de mudança de humor, enfim, o desenvolvimento dos idosos junto com o jogo que é proposto.

Os idosos interagem independentemente do grau de dependência?

Sim. Idosos com maior e menor grau de dependência interagem com a partir da curiosidade que vai se dando na relação. Eles precisam estar disponíveis para a interação. Caso a gente receba uma negativa na interação, respeitamos. Trabalhamos sempre com a perspectiva do protagonismo da idosa ou do idoso.

Como os encontros influenciam aos idosos?

Eu acho que influenciam objetiva e subjetivamente porque deixam uma leveza no ar, uma energia de descontração, de alegria, que não vem necessariamente por conta do riso, mas pela sensação de bem-estar que você sentiu por ter tido um bom encontro, um momento que você conseguiu rir, jogar serotonina no seu sistema nervoso.

Durante o jogo, você muda o batimento cardíaco, a respiração, os músculos reagem diferente além de influenciar fisiologicamente e no humor.

Há estudos que comprovem os benefícios dessa atividade?

Existem sim. Em 2017, por exemplo, foi feito um relatório com a psicóloga Morgana Masetti para o Teatro do Sopro, que trabalhou também por um tempo com os Doutores da Alegria em São Paulo e, através da indicação, ela fez um relatório de desempenho em que comprovou a partir do relato dos cuidadores, que eles têm mais apetite no dia da visita, ficam mais proativos, ajudam mais no desenvolvimento da relação e que muitos deles aguardam a volta. Além de melhorar também a mobilidade, percebemos que depois da visita, eles estão com mais facilidade para andar ou para sentar, dependendo do estado de cada um.

Você acredita que apenas os idosos são beneficiados ou sente diferença no restante da equipe?

Eu acredito que a ida aos lares não beneficia apenas os idosos, mas também a equipe, assim como acontece em qualquer espaço onde atuamos, em hospitais por exemplo, vai bem além dos pacientes, atingindo familiares, equipe… nesses lugares onde as artes não são convencionais, conseguimos beneficiar várias camadas em efeito dominó. O riso tem esse efeito contagiante.

Uma vez que conseguimos interagir com uma pessoa e colocá-la “para cima”, vai gerando uma onda de boas relações: seja com os cuidadores, equipe de limpeza, de enfermagem, administração, portaria, refeitório. Todo mundo que vamos encontrando quer jogar com a gente. Ninguém é invisível aos nossos olhos. Isso é bem legal.

Qual o momento mais comovente que você viveu no Froien Farain?

Vivi inúmeros momentos de comoção. Estou lá há mais de 5 anos. Relembrando um, eu não via, muitas vezes, a D. Ruth rindo. Era apenas um risinho simpático, cordial, mas rindo, de gargalhar, não via. E uma vez fiquei muito feliz quando isso aconteceu com a gente. Eu estava em um jogo com ela e a palhaça Gilda Vicentina (Juliana Brisson). Uma derrubou a outra no chão, em uma proposta bem sutil que a D. Ruth nos fez. Caímos no chão em câmera lenta, de maneira bem calculada, pois estávamos agachadas. A nossa calcinha apareceu. Nós duas com os corpos desengonçados, uma ajudando a outra a se levantar e caímos de novo, escorregamos, ficamos descabeladas, uma certa urgência em “voltar a manter a dignidade”, ela riu muito. Foi bem emocionante.

Também em nossos últimos momentos com D. Alda, a gente conseguia ali, baixinho, cantar “Carinhoso”, Elis Regina, assim como era muito emocionante cantar com a D. Dinah.

Quais foram as maiores dificuldades de adaptação da atividade após pandemia?

Acho que a maior dificuldade com a pandemia foi conseguir fazer com que uma tela desse conta dessa interação, de jogar e perceber a reação deles que às vezes é bem pequenininha dependendo de como a pessoa está naquele dia. Saber se eles iam conseguir se interessar, querer ficar ali com a gente diante do tablet. Esse desafio era muito concreto. Teve um momento que a pergunta era se eles iriam reagir, se envolver com a gente e não apenas participar de uma videochamada.

Me conte sobre o seu personagem. De que forma o seu personagem influencia você?

Eu sou de uma escola que descontrói a ideia da personagem em relação ao palhaço. Vamos criando coisas, colocando figurinos, compondo uma figura de dentro para fora. A palhaça é diretamente ligada a mim nas minhas maneiras de olhar o mundo.

O palhaço (a) é sempre alegre?

Não. Ele vive um leque, uma paleta de cores de emoções. Tem sentimentos que surgem de acordo com o momento, pode vir a partir de uma surpresa. E nem sempre é alegria. É por isso que também nos conectamos muito com pessoas que não estão em estado de alegria. A gente vai “flutuar”, “dançar” em vários estágios emocionais. Assim ganhamos conexão, empatia e confiança.

O que é melhor divertir? Idoso ou criança?

É bom divertir todo mundo. É bom entreter quem não está, a princípio, achando que vai dar uma gargalhada. Isso é surpreendente. É bom que todos curtam. Mas o mais desafiador é interagir com o idoso. Com a criança partimos do ponto que ela está lá para isso. Já com o idoso essa premissa não existe.

Qual a emoção quando um idoso te acha engraçado?

A minha reação, quando eu sinto que um idoso me acha engraçada, é de um contentamento muito grande. É como se eu recebesse um grande abraço, uma conquista dentro de um caminho tão cheio de dificuldades. Sinto-me privilegiada de poder ter vivido esse momento, junto com essa pessoa, um momento de graça.

Mais alegria por favor